Capítulo 4 Noções básicas de fisiologia pós colheita de produtos hortícolas

4.1 Introdução

O parágrafo introdutório da publicação “Fisiologia e Manuseio Pós-Colheita de Pimentão” destaca que: - O correto manuseio durante e após a colheita é importante para garantir a qualidade sensorial, nutricional e microbiológica dos alimentos assim como para reduzir as perdas. As perdas pós-colheita impactam a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares nas três dimensões: econômica, social e ambiental. Elas reduzem a disponibilidade e aumentam o preço dos alimentos comprometendo a segurança alimentar. Elas também têm um grande impacto sobre o meio ambiente seja pelo uso em vão de recursos naturais escassos para produzir alimentos que são descartados, seja pela geração de lixo que é enviado para lixões e aterros sanitários (HIGH LEVEL PANEL OF EXPERTS ON FOOD SECURITY AND NUTRITION,2014 apud (LANA 2017)).

Esta publicação concorda com essa abordagem, dando destaque e reproduzindo o texto da autora. Inclusive, os princípios por ela destacados e defendidos integraram os estudos para a elaboração da legislação sobre os requisitos mínimos dos produtos hortícolas, tratado no Capítulo 5.

Por possuírem características intrínsecas muito particulares, e devido a norma dos requisitos mínimos focar os aspectos que devem ser controlados para impedir a oferta de produtos não conformes ao consumidor final, destacamos a abordagem sugerida pela autora que reforça essa visão, na sequência abaixo.

4.2 Aspectos gerais e objetivos

Os principais fatores da fisiologia dos produtos hortícolas que impactam de forma negativa e em caráter irreversível a sua qualidade final impedem a oferta desses produtos ao consumidor final.

Esses fatores têm base na ciência da fisiologia da pós colheita desses produtos e devem ser o foco de qualquer ação fiscal que busque garantir a oferta de produtos hortícolas de qualidade ao consumidor final.

Apresentada na publicação da Embrapa (LANA 2017), a palavra estragar, em - “o fruto estraga depois de colhido”, ilustra um dos alvos deste Capítulo que busca estabelecer os critérios básicos que identificam de forma clara e simples, mas com base científica sólida, os aspectos dos produtos hortícolas que impedem a sua comercialização.

O desenvolvimento de um produto hortícola caracteriza-se pelo seu crescimento na lavoura, maturação (incluída a maturidade fisiológica e a hoticultural), amadurecimento e senescência (WATADA et al. 1984)6.

Interessa para a fiscalização identificar os aspectos que levam de forma irreversível à senescência, estádio posterior ao amadurecimento que se caracteriza pela prevalência dos processos de morte e degradação dos tecidos celulares dos produtos hortícolas. Importa menos para a fiscalização a identificação precisa da origem da senescência, sendo mais relevante e decisivo evidenciar o caráter irreversível de produto estragado para o consumidor final -> objeto da ação fiscal.

4.3 Processos pós-colheita que levam à deterioração

A legislação sobre os requisitos mínimos tem relação direta com os aspectos da pós-colheita dos produtos hortícolas.

Por se tratarem de estruturas vivas, muitas das quais passíveis de serem utilizadas como meios de propagação e multiplicação, a maioria das alterações que ocorrem após a colheita dos produtos hortícolas são irreversíveis, ou seja, conduzirão o produto à senescência sem atingir a maturação horticultural.

Nesse sentido, os aspectos da fisiologia pós-colheita dos produtos hortícolas são fatores que condicionam a apresentação e qualidade desses produtos, devendo ser considerados pelo responsável pelo produto hortícola e, também, estar no foco da fiscalização.

4.3.1 Noções básicas

Devido às condições de irreversibilidade dos processos envolvidos, o produto colhido antes de alcançar a maturação horticultural atinge a senescência sem se prestar para a sua finalidade proposta. Do ponto de vista prático, esse produto hortícola colhido antes ou após o estadio de desenvolvimento adequado será considerado estragado pelo consumidor final antes ou, pior, após a sua aquisição.

Do ponto de vista dos aspectos da pós-colheita dos produtos hortícolas e a sua relação com os processos que levam esses produtos a se estragarem:

  1. Com relação ao desenvolvimento fisiológico - os produtos hortícolas possuem características intrínsecas e extrínsecas muito particulares. Essas características, como a coloração, textura, doçura etc. são variáveis ao longo do desenvolvimento do fruto, ou seja, mudam conforme a maturidade horticultural dos mesmos.

A maturidade horticultural é específica de cada produto, podendo se inserir em um dos vários estádios de desenvolvimento de um determinado produto hortícola, (Figura 4.1).

Fases do desenvolvimento de frutos e a maturidade horticultural (adaptado de Watada et al).

Figura 4.1: Fases do desenvolvimento de frutos e a maturidade horticultural (adaptado de Watada et al).

No exemplo da Figura 4.1 temos que a maturidade horticultural da Couve-flor está inserida no estádio de desenvolvimento denominado Crescimento.

Já para o Tomate (Figura 4.1) a maturidade horticultural está localizada no estádio denominado Amadurecimento.

A terminologia “maturidade horticultural” portanto foi concebida para ser ampla, de forma a abranger todas as situações dos produtos hortícolas e a qualidade desejada para os mesmos, do ponto de vista da produção agrícola e da comercialização.

  1. Com relação à respiração e produção de etileno pelos produtos hortícolas – produtos hortícolas podem ser afetados pelo padrão ou comportamento climatério (KADER 1980). Por exemplo, para determinados frutos a maturação pode ocorrer tanto na planta, quanto fora dela (fruto colhido).
  • Frutos climatéricos são os produtos hortícolas cujas transformações bioquímicas levam ao amadurecimento com o fruto na planta ou após a colheita.

  • Frutos não climatéricos são os produtos hortícolas desprovidos de metabolismo que possa promover o amadurecimento do fruto após a colheita.

Do ponto de vista da fiscalização, os produtos não climatéricos (Tabela 4.1) colhidos imaturos não se prestam para o consumo, já que atingirão a senescência sem alcançar a maturação.

Tabela 4.1: Listagem de produtos hortícolas Climatéricos e não climatéricos com base na taxa de respiração.
Climatérico Nome científico Não Climatérico Nome científico
Abacate Persea americana Abacaxi Ananas comosus
Abóbora Cucurbita maxima Abio Chrysophyllum cainito
Abricó da amazônia Mammea americana Abóbora d’água Cucurbita pepo
Ameixa Prunus domestica Airela Vaccimium occycoccos
Atemóia Annona squamosa Alface Lactuca sativa
Banana Musa paradisiaca Alho Allium sativum
Biribá Rollinia deliciosa Amora Silvestre Rubus fruticosus
Caqui Diospyros kaki Azeitona Olea europea
Chirimoia Annona cherimola Batata Solanum tuberosum
Damasco Prunus armeniaca Batata doce Ipomoea batatas
Durião Durio zibethinus Batata-baroa Arracacia xanthorrhiza
Feijoa Feijoa sellowiana Berinjela Solanum melongena
Figo Ficus carica Cacau Theobroma cacao
Fisális Physalis peruviana Caju Anacardium occidentale
fruta-do-conde Annona squamosa Carambola Averrhoa carambola
Fruta-pão Artocarpus altilis Cebola Allium cepa
Goiaba Psidium guajava Cereja Prunus avium, Prunus cerasus
Graviola Annona muricata Chuchu Sechium edule
Jaca Artocarpus heterophyllus Coco Cocos nucifera
Jujuba Zizyphus jujuba Ervilha Pisum sativum
Kiwi Actinidia deliciosa Framboesa Rubus idaeus
Maçã Malus domestica Jambo Syzygium ssp.
Mamão Carica papaya Jamelão Syzygium cumini
Manga Mangifera indica Laranja Citrus sinensis
Mangostão Garcinia mangostana Lichia Litchi chinensis
Maracujá Passiflora spp. Lima Citrus aurantifolia; Citrus latifolia
Maracujá amarelo Passiflora edulis Limão Citrus limon
Marmelo Cydonia oblonga Longan Dimocarpus longan
Melão Cucumis melo Mandioca Manihot esculenta
Melão Cucumis melo Melancia Citrullus vulgaris
Melão Cucumis melo Melão andino Solanum muricatum
Melão-de-são-caetano Momordica charantia Morango Fragaria ananssa
Mirtilo Vaccinium cyanococcus Nêspera Eriobotrya japonica
Nectarina Prunus persica Pepino Cucumis sativus
Pera Pyrus communis Pera espinhosa Opuntia stricta
Pera-asiática Pyrus pyrifolia Pimenta capsicum Capsicum annuum
Pêssego Prunus persica Pitaia Hylocereus undatus
Sapoti Achras sapota Pitaia Stenocereus ssp.
Tomate Lycopersicum esculentum Pitanga Eugenia uniflora
Quiabo Abelmoschus esculentus
Rambutão Nephelium lappaceum
Romã Punica granatum
Tâmara Phoenix dactylifera
Tangerina Citrus reticulata
Tomate de árvore Cyphomandra betacea
Toranja Citrus x paradisi
Uva Vitis vinifera

Adaptado de (UNECE 2019) e (CALBO, MORETTI, e G.P. HENZ 2007)

A avaliação dos sólidos solúveis totais, expresso em ºBrix é capaz de determinar se um produto hortícola não climatérico foi colocado no comércio sem ter atingido o seu grau de maturação mínimo. Os valores preconizados desse parâmetro podem ser consultados no Referencial fotográfico de determinados produtos hortícolas.

  1. com relação à elevada perecibilidade dos produtos hortícolas - existem fatores do ambiente que devem ser monitorados ou controlados, pois aceleram a senescência e podem promover a irreversibilidade do processo de deterioração (LANA 2017):
  • o ataque dos produtos por doenças bacterianas ou fúngicas, causadoras de podridrões; e

  • os danos físicos, causadores de ferimentos que tanto aceleram a perda de água, quanto a respiração dos produtos hortícolas, acelerando o amadurecimento e, consequentemente, reduzindo a vida útil dos produtos.

Do ponto de vista da fiscalização, os produtos afetados por pragas, doenças e danos mecânicos, quando acima dos limites propostos, não se prestam para o consumo, já que atingirão a deterioração, inclusive podendo atingir todo o lote através da contaminação.

  1. outros fatores – também podem ser relacionados com os aspectos da pós-colheita dos produtos hortícolas os danos por calor ou a exposição excessiva ao sol, além da injúria por frio, mas somente quando esses danos também causarem ou forem associados a outros fatores de deterioração dos produtos como a perda de água, ferimentos, murcha excessiva, ruptura da casca etc. Esses danos são de percepção variável conforme o produto.

Sobre esse aspecto, (UNECE 2019) relacionou uma extensa lista de produtos hortícolas com base em sua sensibilidade às injúrias pelo frio excessivo, também identificando as temperaturas ideais para o armazenamento desses produtos.

Do ponto de vista da fiscalização, os produtos afetados por calor, insolação, frio e outros fatores ambientais severos, quando acima dos limites propostos, não se prestam para o consumo, já que atingirão a deterioração dos produtos, mesmo que atingida a maturação.

Como conclusão geral os principais aspectos da pós-colheita dos produtos hortícolas são de grande relevância para a fiscalização. É importante ressaltar que eles têm caráter irreversível, ou seja, a inobservância desses fatores ao longo da cadeia de produção, distribuição e comercialização conduzirão o produto à senescência ou degradação.

O produto hortícola nessas condições de irreversibilidade não se presta para a sua finalidade proposta, já que será considerado estragado pelo consumidor final antes ou, pior, após a aquisição.

Desse modo, como conclusão final, cabe o reforço de que o produto hortícola é um organismo vivo, cujas interações com o ambiente podem ser aceleradas após a colheita. Assim sendo, os aspectos da pós-colheita devem ser considerados pelo responsável pelo produto hortícola e, também, devem ser o foco da fiscalização:

  • Interessa para a fiscalização identificar os aspectos que levam o produto de forma irreversível à senescência, estádio posterior ao amadurecimento que se caracteriza pela prevalência dos processos de morte e degradação dos tecidos celulares dos produtos hortícolas.

  • Também interessa para a fiscalização os agentes e situações que promovem a deterioração dos produtos hortícolas.

  • Importa menos para a fiscalização a identificação precisa da origem da senescência ou dos agentes que promovem a degradação, sendo mais relevante e decisivo evidenciar o caráter irreversível de produto estragado para o consumidor final -> objeto da ação fiscal.

References

CALBO, A. G., C. L. MORETTI, e G.P. HENZ. 2007. Comunicado Técnico 46: Respiração de Frutas e Hortaliças. Brasília, DF: EMBRAPA. https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/103079/1/cot-46.pdf.
KADER, A. A. 1980. Prevention of Ripening in Fruits by use of Controlled Atmospheres. Chicago, IL: Institute of Food Technologists.
LANA, MILZA. 2017. Fisiologia e manuseio pós-colheita de pimentão. Brasília, DF: Embrapa Hortaliças.
UNECE. 2019. UNECE Code of Good Practice for reducing food loss in handling fruit and vegetables. Genebra, Suíça: UNECE. http://www.unece.org/fileadmin/DAM/trade/agr/FoodLossChalenge/CodeOfGoodPractice.pdf.
WATADA, A. E., R. C. HERNER, A. A. KADER, R. J. ROMANI, e G.L. STABY. 1984. Terminology for the Description of Developmental Stages of Horticultural Crops. Alexandria, VA: HorticulturalScience.

  1. A referência teórica relacionada com o desenvolvimento fisiológico dos produtos hortícolas encontra-se detalhada no trabalho de WATADA et al. 1984, responsável pela primeira compilação não ambígua da literatura sobre o tema. Segundo o autor, o desenvolvimento de um produto hortícola é caracterizado pelo seu crescimento na lavoura, seguido da maturação (incluída a maturidade fisiológica), amadurecimento e senescência, com as definições a seguir: Desenvolvimento: a série de eventos desde o início do crescimento de um fruto até a morte do mesmo. Crescimento: o aumento irreversível de atributos físicos de um fruto em desenvolvimento. Maturação: o estádio do desenvolvimento que leva à maturidade fisiológica ou horticultural. Maturidade fisiológica: o estádio a partir do qual o fruto continuará seu desenvolvimento mesmo que separado da planta. Amadurecimento: a série processos que ocorrem no final do desenvolvimento, e que resultam em características estéticas e de qualidade, evidenciadas por mudanças na composição, coloração, textura, sabor e aroma. Senescência: a série processos que ocorrem após a maturidade fisiológica ou horticultural e levam à morte dos tecidos. Maiores informações em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/1913455/mod_resource/content/0/Aula%2024.08.2016%20%28grad%29%20%20-%20Desenvolvimento%20e%20Fisiologia.pdf↩︎